domingo, 16 de agosto de 2015

Sonoridades



O nome do CD é
Sonoridades
. O grupo que o gravou é o Quarteto Sonoro. A presença ostensiva do prefixo son não é uma coincidência. Com músicos de formação acadêmica, o grupo é formado por Daniel Allain (flauta transversal), Liliana Bollos (piano), Sérgio Schreiber (cello) e Fernando Corrêa (violão e arranjos). Sobre o disco, encontramos no site do grupo este relato de Corrêa: “A formação é relativamente pequena, mas é muito difícil encontrar o equilíbrio ideal. Procurei explorar os espectros sonoros de cada um dos instrumentos e dispô-los em diferentes funções”. A declaração do músico é uma boa descrição do que iremos encontrar ao explorar as suas onze faixas. (ouça o album completo aqui)

A opção pela abordagem camerística, com apenas quatro instrumentos, todos acústicos, resultou numa sonoridade leve, flutuante, quase matinal. Há uma delicadeza nas interpretações; na dança entre a flauta e o cello. O timbre do violão reforça esta fluidez fulgás de sons em perfeito diálogo e de afinação impecável. A ausência de baixo e bateria permitiu às canções nuances de dinâmica  e de agógica impossíveis de serem executadas na. presença da tradicional “cozinha” rítmico-harmônica.

Um bom exemplo destes detalhes poderá ser encontrado na interpretação da Ária (Cantilena) das Bachianas Brasileiras número cinco de Villa Lobos. O quarteto opta por um staccato na frase introdutória, ao invés do tradicional ligado. O moto-continuum das cordas no arranjo de Villa se transmuta num violão lamentoso, cheio de accelerandos e diminuendos. Mini- fermatas, como aromas, se sucedem, enquanto passeamos pela partitura.

O repertório não autoral dá preferência àquelas canções menos gravadas e conhecidas de medalhões da MPB como Tom Jobim, Edu Lobo e Chico Buarque: são como “canções do lado B”, dos tempos do vinil. Olha Maria, de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Tom Jobim, com seus arpejos modulantes, Chovendo na Roseira, de Tom Jobim (nem tão desconhecida assim), Bons amigos de Toninho Horta e a minha preferida: Choro Bandido, de Edu Lobo e Chico Buarque, em belíssima interpretação.

Não tem jogo fácil aqui. Os músicos chamam para sí a responsabilidade e encaram harmonias intricadíssimas, como adolescentes rebeldes que saem numa noite de sábado para arrumar encrenca para sí. Para os músicos, assim como para os jovens delinquentes, a encrenca significa diversão garantida.

Numa primeira leitura, a marca da “sonoridade” deste trabalho será encontrado na busca do equilíbrio entre os quatro timbres, que são lançados aos quatro ventos numa dança ao mesmo tempo dionísica e apolínea; ao mesmo tempo deleitosa e sistemática. A alternância do protagonismo melódico, poderiam precipitados ouvintes auferir, é a tônica da coisa.
Não para mim. Explico. Os quatro amigos se alternam e se complementam. Sim, tudo se expõe ali:  contrapontos trocando a flauta pelo cello. Indo e voltando. Solos trocando o violão pelo piano. Indo e voltando.
As principais inovaçôes deste disco não estão nos seus standarts, mas em três de suas quatro obras autorais. A nova “sonoridade” buscada pelo grupo até no nome encontra seu ponto de maior brilho quando explora o próprio código musical; em suas composições originais, com vocação para o experimental; em suas soluções musicais não convencionais, que descartam o caminho mais fácil e arriscam novas sonoridades via código musical per se.
As quiálteras melódicas e harmônicas ousadas de Chorinho para ela; as quiálteras e arpejos equilibradas de Chorinho sem choro; os fragmentos melódicos, os paralelismos de intervalos abusados, a colagem sonora e o nome genial de Bye on. Eis os diamantes deste disco, emoldurados por belíssimas pepitas - faixas com seus contrapontos alá ponto-saque-roda de voleyball.
Presente de aniversário  fecha o disco, na minha opinião, dando um descanso menos dissonante aos ouvidos. A Hard Day’s Night soa como faixa-bônus. Tem dificuldade em dialogar com as outras por sua maior simplicidade. Empresta ao repertório, por outro lado, uma ausência de preconceito estilístico. É como se Paul MCartney tomasse um chopp com Villa Lobos e Toninho Horta. Ou como se o Liverpool tomasse “um sacode”  de um combinado “América do Rio - América de Minas”.
Este formidável disco do grupo Quarteto Sonoro colabora, portando, para demolir um pouquinho a alta parede que separa o erudito do popular; Mesmo em suas peças menos sublimes (Da cor do Pecado ou Ana Luiza) o grupo demonstra maturidade técnica e sensibilidade interpretativa. É audição a ser apreciada de pouquinho em pouquinho. Com fondue de chocolate e vinho do porto.

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